sábado, 17 de janeiro de 2009

SAÍNDO DO "ARMÁRIO"

Comecei a escrever esta entrevista sem muita “Direção”, por completa ignorância do assunto, embora não tenha sido obrigado, de alguma forma me senti atraído...

Bem, é melhor contar esta história do princípio. Assim vocês entenderão como um quase jornalista, com pouca estrada, mas muito afeito ao ato de bisbilhotar, acabou se enfiando de cabeça no mundo intrigante do “Beautiful People” (se é que os gays ainda usam esse termo). Tudo começou há alguns dias quando estava bebericando um drinque em uma boate no Setor de Diversões Sul, no centro de Brasília. Eu tentava contatar um travesti, para pedir uma entrevista. A idéia era mostrar a noite do SDS e a alegria colorida desses freqüentadores. Apresentaram-me Ângela, que era saudada por todos como uma das “jóias" mais preciosas que aportaram no mercado erótico do CONIC.

Ângela é exótica e bela na sua falsa magreza. Nasceu no Paraná, mas enquanto não descobriu o que queria, bateu perna pelo (Rio, São Paulo, Belo Horizonte...) procurando se encontrar. Quando “deu o estalo” se mandou para Brasília e, em maio de 98, estrelava um Show erótico no cine Ritz com a certeza de quem havia encontrado seu eixo.

Foi durante um desses Shows, enquanto a aguardava para a entrevista, que pensei: tenho a minha frente uma pessoa com uma história de vida fantástica, quando for entrevistá-la não quero me ater a perguntas do tipo “Qual a sua idade?”, “Como foi sua infância?”, “Você queria dar e não sabia como?”, “Como foi a primeira vez?”. Ora! Todos sabem que o maior desafio dos gays e lésbicas é aceitar seus desejos sexuais. Nessa fase, eles são tomados por uma onda de questionamentos: “Isso vai passar?”, “Será que não é doença?”. Enfrentar a família e o preconceito social é outro drama que culmina sempre com a baixa da auto-estima.

Lembrando as técnicas de entrevista procurei deixar Ângela a vontade e a primeira coisa que fiz com o gravador ligado foi um jogo rápido do tipo “Ping-Pong”.

Música: Reggae e Rock

Uma banda: Ramones

Esporte: Futebol

Atores: Antônio Fagundes e Lima Duarte

Cidade: São Paulo

Personalidade: Sílvio Santos

Revista: G-Magazine

Filme: Ghost (Vi cinco vezes e chorei todas)

Profissão: Atriz

Mulher: Brasileira

Durante o processo de juntar informações para esta matéria, uma das coisas que me deixaram pasmo é a enorme diversidade que existe entre os homossexuais os “proibicionistas”, os “liberacionistas”, os “conservadores” e os “liberais”. Não pretendo aqui, identificar nenhum grupo real de pessoas. A maioria dos relatos foi gravada e todos expõem uma nova faceta da sexualidade brasileira, que não se revela diante de nenhuma pesquisa.


PT - Fale-me um pouco de você.

Ângela – estou à beira dos 40 anos. Pertenço ao “Sexo Forte” que optou pelo “terceiro sexo”. Embora os sexólogos não gostem do termo, o meu caso foi opção mesmo, já fui casado com uma pessoa do sexo “Frágil” e, mesmo assim, decidi assumir minha homossexualidade.

PT – Como você vê o problema da AIDS?

Ângela – embora a AIDS não seja uma “peste Gay” (pois surgiu entre heterossexuais), verdade seja dita, foi à revolução sexual a principal responsável pela propagação desta desgraça dentro da comunidade homossexual masculina.

PT – Fale mais sobre essa revolução.

Ângela – em 28 de junho de 1969, em Nova York, no Bar Stonewall, os homossexuais disseram não à milenar repressão: enfrentaram os “homens” e ganharam a primeira batalha nessa guerra contra a homofobia a partir de então, essa data passou a ser o “Dia Internacional da Consciência Homossexual”.

PT – Poucos anos antes, o erotismo e a liberdade sexual conquistaram duas vitórias: Os anticoncepcionais e a penicilina, você acha que essas descobertas influenciaram a revolução?

Ângela – Sem dúvida! Não exagero ao estimar que, neste último quarto de século, registraram-se mais cópulas homossexuais do que as acumuladas durante o último quarto deste milênio.

PT – Na década que separou Stonewall e o surgimento da AIDS, os Gays viviam uma época de verdadeiro “Desbunde”. Como foi para você?

Ângela – comecei a “sair do armário” mais ou menos nessa época. Nunca fui uma bicha muito “galinha”, sempre tive casos fixos. Mas, conheço uma bicha da Bahia que no carnaval chegou a transar 33 vezes.

PT – Tantas vezes assim?

Ângela – eu que nunca fui de transar muito, que nunca tomei ácido ou “cheirinho”, que tive casos prolongados e teoricamente monogâmicos, cheguei, em duas décadas, a transar com mais de 500 homens diferentes. Quantos milhares de parceiros e milhares e milhares de transas não tiveram aqueles Gays, travestis e entendidos que eram muito mais gulosos, soltos e insaciáveis do que eu?

Neste ponto, Ângela interrompeu a entrevista, e retirou-se por alguns minutos. Fiquei observando o ambiente, toda a decoração possuía conotação erótica. A necessidade de afirmação sexual e o medo da reação negativa da sociedade os tornam exagerados e, assim, estereotipam o comportamento. “Sou assim e nunca vou mudar”. Agora, ela volta com a maquiagem retocada e dois copos. E entregando-me um disse autoritariamente: “beba!”.

PT – Em nenhuma outra época da história houve transformações sociais tão intensas quanto no século XX. Quais foram os reflexos destas mudanças no comportamento sexual do Brasileiro?

Ângela – Até pouco atrás, o destino de homens e mulheres era definido mesmo antes do nascimento: crescer, casar e constituir família. Hoje, existe a possibilidade de escolha.

PT – Mas, qualquer que seja a escolha há sempre um preço a se pagar!

Ângela – Claro! Como tudo na vida. As conseqüências de todo esse processo ainda estão longe de ser compreendidas.

PT – A julgar pelo teor de suas respostas, concluo que você é uma pessoa culta e reflexiva...

Ângela – Sexo dá o que pensar. Não freqüentei nenhuma Faculdade, mas, no mundo em que vivo, é comum conhecer pessoas muito cultas e interessantes, sempre se aprende alguma coisa. Nas histórias que os homens inventam sobre suas proezas sexuais, pode-se encontrar um rico material para estudo da mentalidade de uma dada época e cultura.

Aqui, ela faz outra pausa e me oferece outra bebida. Explico que não posso, tenho problemas com bebida, se tomar outra acabo virando “Alma da festa” São 4 horas da manhã e decido finalizar a entrevista.

PT – Foi muito difícil falar sobre isso tudo?

Ângela – Eu não tenho essa frescura, não. Antes era meio constrangedor, hoje sou uma pessoa que não tenho que provar nada a ninguém!

Estigmatizado ao longo das eras, tratado como pecado pelo cristianismo, o homossexualismo atravessa o período vitoriano e chega ao século XX marcado pelo rótulo da perversão. Seja a perversão da moral (discurso religioso), seja perversão mental (discurso clínico). Nas duas últimas décadas com tudo, tem crescido a aceitação das “sexualidades alternativas”. Se a carga de preconceitos suportada pelos homossexuais ainda é grande, por outro lado aumenta a compreensão de que não se trata de doença, mas sim de uma forma diferente e igualmente válida de lidar com o corpo e seus desejos.


T@CITO/XANADU

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