quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

AVENTURA EM CASERTA

Foto/Google


Uma amiga que “conheci” virtualmente relatou-me uma interessante “aventura”, vivida por ela em uma conturbada estadia na Itália. Onde, esteve, atraída por uma falsa proposta de trabalho. Embora, não esteja mais fazendo reportagem investigativa, senti que pelo teor das revelações que me fez; poderia usar essas informações para que no mínimo outras pessoas incautas não caíssem na mesma armadilha.

Essa amiga, concordou que eu divulgasse suas experiências, desde que fosse mantido o sigilo quanto a nomes e fatos que pudessem comprometer pessoas envolvidas na referida “aventura”. Trata- se de um esquema criminoso e vil no qual, muitos brasileiros atraídos por uma melhor perspectiva de vida deixam-se levar.

Os mafiosos de outrora, ricos proprietários de terras e outros meios lícitos e ilícitos de enriquecimento, com o passar do tempo foram se interessando por diversificar as atividades de suas “empresas”. Atuando desde a simples especulação imobiliária para fins de lavagem de dinheiro até o tráfico de seres humanos.

No Brasil a face mais visível do problema é o turismo sexual e o embarque de mulheres para os países receptores em busca de oportunidades, facilitando assim, a exploração sexual e o trabalho escravo, em ostensiva violação dos direitos humanos.

Aqui passo a transcrever na íntegra, salvo a omissão de nomes de pessoas para preservar a identidade dos envolvidos, conforme o desejo da depoente.


“Não vou escrever um livro de aventuras, será apenas um breve capitulo de uma parte ampla de outros fatos. Primeiro, gostaria de lhe dizer que me apego e sofro muito pelas pessoas. Não sei se és como eu, mas eu me envolvo, dou do meu sacrifício e tempo para ajudar, muitas vezes eu acabo me prejudicando. Esqueci de te dizer, eu tenho atração por pessoas idosas, na Itália elas me amavam, eu dizia: “No é lavoro nona é amore.” Fazia massagens nos pés delas e pernas, como elas amavam e eu ficava feliz com isso.

Bem. Vamos a História de Dalva. Vou lhe passar o endereço de Dalva em Salvador na Bahia, apenas para dar a ti a veracidade desta história, se acaso desejar levantar informações adicionais. (Aqui, minha amiga relata endereços e telefones no Brasil de mulheres que conheceu na Itália e também, endereço de onde ela residiu durante a sua permanência naquele país).

“Eu estava na rua, sem saber onde ia, era um domingo de manhã, puxando uma mala grande numa avenida chamada "Via Nacionale", é uma avenida onde chega a Caserta vindo de Nápoli, onde chega também no castelo da Régia, estilo medieval, enorme. Eu não sabia para onde ia, pois tinha um contato, mas não tinha certeza se daria certo, pois muitas ilegais polacas, ucranianas, até brasileiras baianas, já havia me informado de que a casa onde eu iria, costumava escravizar as ilegais, e para sair de lá, só trazendo outra do seu país, do contrário não é permitido sair, come na casa se tiver sobras do patrão, dorme com os cachorros, trabalha das 7 da manhã ás 11 horas da noite, se os patrões estiverem em casa, se não tiver ninguém fica esperando chegar acordadas, e ai se dormir! Não há descanso durante a semana, no domingo deixa sair, depois de fazer algumas tarefas extras logo pela manha, sem isso, não é permitido, horas para voltar, não sai com nada além da roupa do corpo e a bolsa de mão. Tudo bem, eu pensei, para onde vou? De onde eu sai, que seria uma outra história, tomou todo o meu dinheiro, tudo o que tinha era uma passagem de volta ao Brasil um mês e meio depois, a agência não aceitou antecipar a viagem. Sem dinheiro, sem onde ir, sem ninguém a quem contar, ficava na via. Aliais, quando na casa não te aceitavam entrar eles te diziam: Vá a via! ou vá pra rua! Era assim que escutava a Dona ciumenta italiana gritar com os seus maridos. Não existe nacionalismo em meio a tantos ilegais, alí existe uma Lei, se não tenho o que ganhar de você, não tenho interesse nenhum em te ajudar, ao mesmo tempo uns trai os outros, fofoca corre solta, o italiano tem prazer em falar dos outros, eles ampliam os fatos, faz comoção, parece aqueles shows de TV tipo ratinho, gugu, Faustão. Sinceramente, odeio isso!
Sem saber o que fazer, morrendo de sede, fui ao Apartamento de Maria Luiza, uma brasileira do Sul do Mato Grosso, dita Evangélica, parece que tem algum problema psicológico, pois grita fácil, explode sem causa ou razão, tudo ou qualquer coisa muda de humor, fala de Cristo, da palavra de Deus, mas ao mesmo tempo nega pelas ações. Ela sabia que fugi da máfia, todos em Caserta conhece uns aos outros e sabem tudo ao mesmo tempo, amam ligar uns para outros e informar correndo. Para a máfia, eu era deficiente mental, uma "stronsa" Burra retardada, para eles era irrelevante ficar na rua, não iriam me matar por isso, mas não permitia ninguém em Caserta ficar comigo, ou me acolher em casa, ou um hotel me hospedar. Sem saber disso naquele momento, eu fui ao apartamento dela pedir um copo de água. Ela não me deixou entrar, alegou através da sua irmã que não estava em casa e de que não permitiria deixar eu entrar. Eu disse, só quero um copo de água, e afirmei de que não sairia de lá até a Maria Luiza chegar então, passou um tempo, cansada, já era 15 horas da tarde, voltei no interfone e disse: Tudo bem, avisa a Maria Luiza de que vou a policia, pois posso morrer de sede aqui, e de que assim vou poder voltar para a casa - ambas são evangélicas. Cinco minutos depois meu celular tocou quando já estava caminhando para chegar até a polícia, realmente foi o meu ultimo recurso, pois esperei aquela dita mulher que escravizava os ilegais até aquele momento, mas acho que ela fora informada pela Máfia, ou por algum contato dela. Meu celular toca é a Maria Luiza gritando: “Cê tá louca é!” Se você for a Polícia eu me “ferro”, todos que se envolvera com você se “ferra”. Eu respondi: Tudo bem, a mim pouco importa se durmo no chão ou no frio, pelo menos terei um teto e água para beber, isso eles não vão me negar, e depois posso voltar ao Brasil, seja como for, eu volto para casa, fui traída, não fora pra isso que vim aqui. Ela me respondeu: Fica onde está, eu vou ligar para Izabel Bonelli ela vai te pegar onde está. Aguardei, alguns minutos depois me liga a dita cuja, dizendo que iria me pegar em uma hora, informei que estava na Via Nacionali. Passado algum tempo o marido dela me pegou no carro dele, estava ele junto com Dalva, fiquei feliz de ter a encontrado, era o "espantalho", do "Alice no país das maravilhas"! Ficamos amigas logo, aliás eu precisava de um bom relacionamento com alguém, mas não disse nada do que sabia a respeito de onde eu vinha, nem precisava, todos alí já sabia. Dalva dizia sempre: Eu não vi, eu não sei, cabe em qualquer lugar. Essa é a Lei alí. Logo, já antecipo, ela não irá entregar ninguém ali em Caserta, pode saber, mas ela disse que essa Lei é para sobreviver alí.

Realmente a Izabel Bonelli sabia do que acontecera, avisara ela de que eu era demente e de que não iria ajudar ela em nada, só daria custos e problemas, assim ela me falou depois, por isso logo que cheguei ela me pediu para lavar a louça do almoço e limpar o chão, o que fiz com muito gosto e o melhor que pude, ela avaliou e disse ao lado do Marido dela de que era perseguição da máfia, de que não parecia uma demente, mas uma coitada, uma pobre ingênua, eles devem ter maltratado ela demais, por isso ela fugiu, e agora fica falando pra Caserta inteira de que ela é demente para não ser aceita, até me avisaram de que só iria ter problemas se aceitasse ter ela aqui, mas veja, ela trabalha direito. O marido dela falou um italiano siciliano, é meio confuso, mas entendi em parte de que deveriam me monitorar tempo todo. Dormia num quarto onde os cachorros entravam quando quisessem e dormiam ao nosso lado, eu também era obrigada a cuidar deles, passear, dar água etc. cuidar do Jardim, limpar dois andares da mansão acima, Dalva cuidava da cozinha e cozinhando e limpando o térreo todo, só isso. Dalva me avisava, só iremos comer se sobrasse, não era permitido comer nada além do que eram as sobras, tinha uma água que era para nós beber, mas não devia pegar a deles. Aliais algo absurdo, lá não se bebe água de torneira, é comprada, pois a água é cheia de calcário e pode acabar com os seus rins.

Dalva era humilhada por ser negra, o tempo todo. A filha da "Senhora", era assim que éramos obrigada a falar com ela, era e é, muito mimada, tem de levar café na cama, almoço quando não quer sair do quarto, se chega da cidade sozinha, quer a távola pronta, cheinha de coisinhas, colheres para isso e aquilo, tudo brilhando, e os pratos bem feitos de acordo com as vontades dela. Pobre Dalva, assistia cada cena, aliais "cena" é jantar. Um dia que mais me marcou foi o telefone ter tocado e Dalva atendido e a dita cuja entrou na cozinha e estava brigando com a Dalva, tomou o fone da mão da Dalva e pegou uma "carta" guardanapo de papel e limpou o fone antes de atender com nojo da mão da Dalva. Ela dizia para a mãe dela arrumar outra cozinheira pois tinha nojo da Dalva, eu via a Dalva chorar em silêncio, eu a abraçava, e chorava junto. Terminava meu serviço o mais rápido possível, lembra, sou rapidinha, e corria ajudar a Dalva, apesar de que ela tinha menos serviços do que eu, mas eu nunca reclamava, eu só precisava do tempo para vencer minha estadia e voltar para o Brasil, não sabia como faria pra sair dali, mas era preciso.

Quando disse a Dalva sobre a minha intenção de voltar ao Brasil e que tinha a passagem para voltar em tal data, ela correu na Senhora e disse que ficaria ali só mais aquele mês e que iria trabalhar em outro lugar. Foi ai que a Senhora com olhar de bruxa, igualzinho daqueles contos de fadas, disse: A sua amiga lá no Brasil não te disse de que só sai daqui depois que trouxer outra do seu país para ficar em seu lugar? Se quiser sair daqui, arruma outra brasileira, isso vale para a sua amiga ali, essa casa precisa de duas, e não me venha com essa conversa, antes de me dar o contato da pessoa que ficará em seu lugar.

Dalva chorou o dia todo. Então eu disse a ela no quarto, quando eu tiver de ir, eu vou. Ela disse: Ela te acha e ai você está perdida, pois se ela ficar com ira sua, ela coloca a máfia no teu caminho, não tem jeito Marília, estamos presas, não tem como fugir daqui. Eu não sei Dalva, eu vou voltar para o Brasil, eu não vim aqui para ser escrava de ninguém.

Um dia eu fui passear com os cachorros, quando estava voltando para casa, apareceu um gato preto e o cachorro correu de repente, sem que eu me desse conta, e não tivesse como segurar a correia, em alguns passos eu caí num buraco com pedras, acordei nos braços de um homem de cabelos brancos e um rapaz atrás dele, voltando a consciência, me dei conta que estava vazando sangue no nariz e ouvido e mal conseguia respirar, havia ficado desacordada quase meia hora. Dalva no começo ficou com medo de me acontecer alguma coisa, mas eu não me entrego facilmente. Ela me levou para a cama, já era tarde, quando deitei minha cabeça rodava, o som das vozes eram ocas, pensei estar perdendo a audição, minha cabeça estava “melada de sangue”, (sic) meu nariz não parava de sair sangue, ficando com a cabeça para trás deitada para parar, a pedido de Dalva. Comecei a orar para não morrer ali, me desse à chance meu Deus de voltar ao meu país antes disso. Isso aconteceu no dia 30 de Abril, no dia 1 de Maio os da casa foram a uma festa logo de manha, foi uma benção, assim eu pude me recuperar em parte. Percebendo que estava bem melhor, Dalva neste dia foi sair, aproveitando a chance, foi visitar outras brasileiras e um namorado dela, ela me contava algumas histórias, era perniciosa, evangélica, falava muito de Deus, no nome de Deus, se mostrava com muita fé etc e tal, mas era assim, saia com qualquer um, seja lá quem fosse, percebi que ela tinha problemas, pois via os remédios que ela comprava, doenças venéreas, morria de medo no banheiro que usava com ela. Parecia ter um bom coração, mas era falsa, se em parte ela te dá, outra parte ela te entrega e te toma. Fui ingênua ter confiado nela, e ai eu vi que aquela frase "Eu não sei, eu não vi, cabe em qualquer lugar" devia ter assimilado isso com ela. Bem eu fiquei sozinha o dia todo deitada, apenas com uma garrafinha de água e os cachorros ao lado, procurava dormir, mas tinha tanta preocupação que o sono não vinha.

No outro dia tive de levantar e trabalhar, não conseguí fazer o serviço direito, pois tinha de carregar baldes com água, produtos de limpeza pela escada, pois no elevador a senhora não permitia que eu ou a Dalva usássemos, eu respirava mal, me dava vertigem a altura, me entreguei depois do almoço, fui deitar. O Senhor da casa, entrou no quarto e disse para ir com ele a cidade fazer uma radiografia para ver se minha cabeça não rachou. Eu fui e não deu fratura. Voltando ele disse que ali não era hospital, não era hotel, se quisesse ficar ali tinha de trabalhar. Não conseguindo mais fazer como antes, a senhora e ele começaram a ver que eu estava com o rosto inchado e que mal respirava, tiveram medo de que apesar de não ter fratura podia ter coagulado sangue no cérebro e poderia morrer ou ter quebrado algum osso da costela. Já estava no final do mês, eles me deram alguns euros e me levaram a cidade com a minha mala e o senhor disse, me mandando sair para a rua, "Bona aventura". Dalva ficou lá, não sei até quando, dizia para mim que voltaria em Dezembro deste ano de qualquer jeito.

Dalva é semi-analfabeta, mal sabe escrever, foi abandonada pelos pais e criada pela avó que colocava ela e seus irmãos para vender na praia peixinhos fritos, se não vendia avó lhe batia, mau frequentou a escola, casou cedo, teve dois filhos, trabalho muito com o ex-marido para comprar a casa, ela pegou ele traindo e separou dele. Seu sonho era vir para a Itália ganhar dinheiro e comprar uma peixaria em Salvador. Levou alguns meses para pagar a passagem para a dona Isabel que era dona da Agência de Viagem, a Senhora, super faturou a passagem, eu havia pagado a metade do valor que ela cobrava a Dalva, tudo para usar o seu serviço sem pagar por todos aqueles meses, Dalva só veio a saber desta negociação depois que chegou lá, a mulher que convidou a Dalva para trabalhar lá, já fazia 3 anos que estava lá, era preciso trazer uma outra brasileira para poder sair de lá. Dona Izabel é a que paga menos suas ditas "empregadas" mas, as escravas de Caserta, lá todas conhecem a fama da mulher. Eles costumam dizer: “Io sono una persona” cativa, uma expressão para dizer que é uma pessoa boa, mas longe disso.
Em Caserta fui a uma lan e entrei em contato com o Paulo, um português, criado na Alemanha e vive na França há nove anos. Com ele aprendi tudo sobre finanças, ele é descendente de Judeu, tem contato com clinicas em Paris. Ele me pediu para usar o dinheiro e comprar a passagem que na Europa é mais barato, e chegar lá, o resto ele cuidaria. Fui na agência de viagem " que não era da Dona Isabel", e comprei a passagem mais barata que tinha para chegar em Paris no dia seguinte, paguei 75 euros para um taxi me levar ao aeroporto e lá passei a noite, no dia seguinte fiz o check-in e atrasou o avião, eu mal respirava, mal alimentada, só tive dinheiro para comprar água, o avião chegou ás 14 horas, Paulo me ligou para me informar sobre o atraso do avião, ele já estava esperando por mim no aeroporto Charles de Gaulle em Paris, que não me preocupasse pois estava trabalhando no pc dele com acesso a Internet no aeroporto e que me esperava. Cheguei ás 16h:35min. Fomos para Montargis, onde ele morava, pela primeira vez tomei remédio para tirar a dor depois de tudo o que passei, tomei banho, me fez uma sopa deliciosa, estava faminta. Não quis conversar, dizia que descansasse. No dia seguinte iríamos a clinica. Fiz todos os exames, ai eles lá falavam em francês corrente, pouca coisa dava para entender, minha cabeça doía muito, só vi a revolta deles com a minha história. Paulo ficou revoltado, dizia para entrar em contato com a comissão européia sobre direitos humanos e pedir indenização a Itália pelo que sofri. Ponderei, usei de prudência, e pedi que não, apenas me deixasse voltar para casa”.


Desde 1904, vem sendo feito acordos e convenções no sentido de reprimir o tráfico de pessoas. Os mafiosos de outrora, ricos proprietários de terras, e outros meios lícitos ou ilícitos de enriquecimento, com o passar do tempo foram se interessando por diversificar as atividades de suas “empresas” ainda mais com os modernos recursos tecnológicos. Desta forma, a Máfia passou a se interessar por outras atividades desde a simples especulação imobiliária para fins de lavagem de dinheiro, até o tráfico de seres humanos, passando pelo tráfico de armas, drogas e contrabando de órgãos.

O escritório das Nações Unidas sobre drogas e crime (UNODC) divulgou recentemente um relatório global sobre o tráfico de pessoas. Onde, aponta essa atividade criminosa como a terceira mais lucrativa, chegando a movimentar de Us$7 a Us$9 bilhões por ano.

Diante desses valores não é difícil imaginar o jogo de interesses que há por trás dessas operações criminosas e a nós, sociedade, resta-nos esperarmos do Estado ações no combate a essa forma contemporânea de servidão em quatro eixos: Educação, Reformas Legislativas, Resgate das vítimas e a Reparação de injustiças.



T@CITO/XANADU


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