sábado, 17 de janeiro de 2009

HOMEM E TRABALHO


Quando se começa a escrever, há sempre a preocupação em se discorrer sobre um determinado assunto de forma inteligente e original. Mesmo, que se tenha o esboço de uma idéia na cabeça, aquele que escreve com certeza cogita a hipótese de estar sendo prolixo ou até mesmo cometendo plágio, pois, já escreveram tanto sobre tudo. Quando se descreve uma cena que parece ao escritor pitoresco, curiosa ou interessante, no papel essa cena pode não ser assim tão digna de relato: (É aqui que entra o talento do escriba), e aquele que lê interpreta o que foi escrito de maneira distorcida ou de acordo com a sua realidade. Mas, às vezes se descreve (ou divaga-se) sobre coisas tão banais e óbvias que não se deixa margem para muitas interpretações.

E, era sobre estas coisas que João estava pensando ao ler o jornal de Domingo, (único dia da semana que comprava jornal). Esportes, Economia, Política... E, os classificados, este era o caderno do jornal que João mais gostava, compras, vendas, recados, acompanhantes, (estas eram só para sonhar e imaginar, pois, seu orçamento jamais permitiria), ofertas e procuras por empregos...

... Emprego, isso era o buraco, digo, a pedra no sapato de João. Desempregado a meses, todas as segundas-feira, ele com o jornal embaixo do braço, saía em busca do tão almejado emprego. E haja fazer currículum, entrevistas, solicitações, preenchimento de fichas em Agências de Emprego, (essas então, poderiam ser matéria de estudo e tese de doutorado em qualquer Faculdade de Sociologia), e nada.

Nada mesmo, não que João não se enquadrasse no “perfil” exigido pelas empresas onde pleiteava uma colocação. Possuía alguns cursos de atualização profissional, falava inglês, sabia informática; e nada.

Toda manhã de segunda-feira, lá ia o João de classificados debaixo do braço e uma esperança de encontrar algo que o tirasse daquela situação. Depois de gastar muita sola-de-sapato em vão, João voltava para casa, abatido, e pensando em como ia enfrentar o olhar da família depois de mais um dia de insucesso. E, eis que foi subitamente arrancado de seus devaneios por uma dor lancinante.

João foi “puxado” de volta à realidade por uma ponta de cigarro acesa, onde havia pisado com o sapato furado, mas, ele, como todo brasileiro, é “expert” na arte do “jeitinho”. Não se fez de rogado, cortou um pedaço do jornal que trazia embaixo do braço, e bem dobradinho colocou dentro do sapato, resolvendo assim, o problema do furo. Mas, e o problema com a família? Como seria resolvido?

Foi nesse estado de ânimo que João, ao passar pela Praça Central do CONIC, no Setor de Diversões Sul, avistou um carro de som que alardeava aos quatro ventos mensagens de protestos e questionamentos a respeito da atual Política de Governo: Saúde, Educação, Segurança, Política Habitacional, Desemprego e o de sempre. Ali estava o João, de pé no meio da Praça Vermelha, ouvindo os manifestantes – e foi ficando...

Depois de algumas horas, a Praça já apinhada de “ouvintes” e vendedores de e toda sorte de “bugigangas”, foi se inflamando sob o incentivo da oratória do manifestante que se encontrava aboletado no carro de som: “companheiros..., saiamos à rua e manchemos o verde pano”...

Neste momento, já se notava a presença ostensiva de algumas dúzias de policiais no local. Vinte horas, a família de João. Nesse horário, acontecesse o que acontecesse, ele, como de hábito, deveria estar em casa à frente da TV para assistir o Jornal Nacional, rotina que não era quebrada há algum tempo. Nem todos da família se interessavam pelo Telejornal. Mas, nesse dia, talvez por causa da ausência de João, todos estavam especialmente interessados.

- Boa Noite! Disse o apresentador do noticiário com aquela voz impostada e aspecto de manequim-de-funerária.

- Violento confronto entre Polícia e Manifestantes Trabalhistas, deixa grande número de feridos... Vejam logo mais, (pausa para os comerciais). A família apreensiva continuava atenta.

- Plim-plim, volta o apresentador com a matéria da qual havia feito a “chamada”, imagens fortes, pancadaria, carros incendiados, sirenes, ambulâncias, mas nada que o telespectador já não estivesse acostumado a ver. Exceto por um pequeno detalhe, em meio à turba furiosa, um cidadão em visível estado de excitação, brandia um sapato furado de onde caiu um pedaço de jornal dobrado em que ainda podia se ler. “Democracia”.


T@CITO/XANADU

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